Debate para pais e professores
Excesso de medicação na
infância preocupa especialistas
Por Redação, com RBA -
de São Paulo
11/11/2012
A medicalização
da educação e da sociedade é um processo que tem transformado em distúrbios
passíveis de tratamento com terapias e medicamentos questões como emoções,
sentimentos e comportamentos não aceitos socialmente.
Distúrbios como o transtorno
de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH): cresceu a prescrição de
medicamentos como o metilfenidato, cujo nome comercial é Ritalina, muito usado
nesses casos.
O que
preocupa é ainda não haver estudos suficientes sobre os problemas
causados pelo uso prolongado da droga. E também: a falta de diálogo entre
crianças, adolescentes, seus familiares e educadores esteja sendo substituído
justamente por medicamentos como esse.
O psicólogo
Ricardo Taveiros Brasil, do coletivo interinstitucional Queixa Escolar diz
queum exemplo muito comum do fenômeno é a dificuldade de pais e
professores, hoje em dia, para educar as crianças. Em vez de irem à
raiz dos problemas e suas explicações, passam a dizer que elas são
portadoras de distúrbios de comportamento, de atenção, de aprendizado, de
leitura e escrita “como se houvesse na realidade um distúrbio específico,
neurológico, que comprometesse somente o aprendizado”, apontou. “No entanto, é
preciso deixar bem claro que não estamos falando que isso acontece na Medicina
como um todo e nem que somos contrários a toda forma de prescrição de
medicamentos”, salientou. Os questionamentos contra a medicalização
surgiram nos anos 1970 e 1980, com pesquisadores de diversas áreas, como
filosofia, sociologia e até da própria medicina.
Outro exemplo é a
confusão entre tristeza, luto e depressão – alardeada por setores da
saúde mental e pela mídia como o ‘mal do século’. Conforme Ricardo, estão dando
prazo para o sofrimento. Assim, o processo de luto de uma pessoa que perdeu um
ente querido ou algo de muita importância é normal se durar 14 dias. A partir
daí, se não melhorar, é depressão e é preciso entrar com medicação. ”Isso
nos assusta. Do ponto de vista da Psicologia, o processo de luto é
singular. Como estabelecer prazos para a elaboração do luto, questionou. Ele
menciona o livro O
tempo e o cão – a atualidade das depressões, da psicanalista Maria Rita
Kehl, na categoria Educação, Psicologia e Psicanálise, no qual a autora
pensa a depressão como sintoma social, de uma sociedade que exige felicidade,
alegria em tempo integral, artificial, com as pessoas divulgando em redes
sociais uma vida feliz o tempo inteiro.
Diz ainda que por trás
do movimento da medicalização estão forças da sociedade e sobretudo um
movimento da indústria farmacêutica voltado para isso. Fato, conforme Ricardo,
mostrado no filme O Jardineiro Fiel,
dirigido por Fernando Meirelles, que denuncia manobras da indústria de
medicamentos para aprovar pesquisas e lança-los no mercado conforme seus
próprios interesses comerciais. “Só que com o avanço das pesquisas em todas as
áreas, a medicalização mostra-se cada vez mais polêmica e questionada inclusive
no próprio campo da medicina”e.
O profissional, que
atende crianças e adolescentes com dificuldades específicas na escola, adverte
pais e educadores para que, antes de rotular quaisquer dificuldades de
aprendizagem com este ou aquele distúrbio, devem avaliar e refletir o contexto
como um todo. “O que está acontecendo dentro da escola e no sistema educacional
que está dificultando que a criança aprenda aquilo que tem que aprender?”, questionou. Para
ele, é preciso impor limites às crianças, ensinar, por ex., que não se
pode fazer tudo o que se quer fazer. “A criança precisa de limites.
Afinal, que mundo é esse em que não sobra tempo para os pais estarem por
mais tempo com os seus filhos? Que escola é essa que tem mais de 40 alunos por
sala de aula, impedindo o professor de acompanhar o aluno mais de perto, de ter
um contato mais próximo?”
Esse contexto
desfavorável à educação e ao desenvolvimento psicológico de uma criança é, na
análise de Ricardo, favorável aos processos de medicalização. “A partir do
momento em que a criança toma um comprimidinho, fica parada, contida
quimicamente, e não atrapalha mais. Só que esse ‘efeito terapêutico’ é sinal da
toxicidade do remédio. O melhor é que pais e professores reflitam mais
sobre o que pode estar acontecendo, dialoguem e investiguem esse contexto, que
é complexo, antes de encaminhar a criança para um profissional. Isso pode
parecer mais complicado do que dar um remédio – aliás, tomar remédio é mais
fácil; toma-se remédio para tudo. Em vez de fazer exercício e melhorar a
alimentação, as pessoas tomam remédio para emagrecer”.
Para ele, do ponto de
vista psicológico, essas drogas exercem efeitos complexos e preocupantes,
como ‘calar o sujeito’ – quando a criança que está ‘incomodando
demais’ está, na verdade, querendo chamar a atenção, comunicar algo, como
medos, preocupações, desejos. “Nós precisamos primeiro ouvi-las, dar atenção e
não calar a angústia, o sofrimento com um comprimidinho”.
Do ponto de vista
orgânico, segundo ele, há relatos de que o uso contínuo desses medicamentos
tornam as crianças menos sensíveis para uma série de coisas. Exemplo é um
bombom de chocolate, que não vai ter o mesmo efeito de prazer. “Então, se
a gente pensar em um adolescente que fuma maconha e usa esses medicamentos, sua
propensão a outras drogas é muito maior porque ele vai buscar outras formas de
obter satisfação, prazer”, explicou.
Para Ricardo, a questão
é grave, colocando em risco a saúde das crianças e transferindo para elas a
responsabilidade de um sistema de educação cheio de problemas. “O Estatuto da Criança
e do Adolescente assegura que a criança tem direito à vida, à educação e
saúde de qualidade. E esse direito pressupõe o direito de não tomar uma droga
que pode levar a consequências graves. É por isso que temos que lutar.”
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Vídeo da TV Brasil