segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Excesso de medicação na infância preocupa especialistas


Debate para pais e professores

Excesso de medicação na infância preocupa especialistas

Por Redação, com RBA - de São Paulo
11/11/2012

A medicalização da educação e da sociedade é um processo que tem transformado em distúrbios passíveis de tratamento com terapias e medicamentos questões como emoções, sentimentos e comportamentos não aceitos socialmente. 

Distúrbios como o transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH): cresceu a prescrição de medicamentos como o metilfenidato, cujo nome comercial é Ritalina, muito usado nesses casos.

O que preocupa é ainda não haver estudos suficientes sobre os problemas causados pelo uso prolongado da droga. E também: a falta de diálogo entre crianças, adolescentes, seus familiares e educadores esteja sendo substituído justamente por medicamentos como esse.

O  psicólogo Ricardo Taveiros Brasil, do coletivo interinstitucional Queixa Escolar diz queum exemplo muito comum do fenômeno é a dificuldade de pais e professores, hoje em dia, para educar as crianças. Em vez de irem à raiz dos problemas e suas explicações, passam a dizer que elas são portadoras de distúrbios de comportamento, de atenção, de aprendizado, de leitura e escrita “como se houvesse na realidade um distúrbio específico, neurológico, que comprometesse somente o aprendizado”, apontou. “No entanto, é preciso deixar bem claro que não estamos falando que isso acontece na Medicina como um todo e nem que somos contrários a toda forma de prescrição de medicamentos”, salientou. Os questionamentos contra a medicalização surgiram nos anos 1970 e 1980, com pesquisadores de diversas áreas, como filosofia, sociologia e até da própria medicina.

Outro exemplo é a confusão entre tristeza, luto e depressão – alardeada por setores da saúde mental e pela mídia como o ‘mal do século’. Conforme Ricardo, estão dando prazo para o sofrimento. Assim, o processo de luto de uma pessoa que perdeu um ente querido ou algo de muita importância é normal se durar 14 dias. A partir daí, se não melhorar, é depressão e é preciso entrar com medicação. ”Isso nos assusta. Do ponto de vista da Psicologia, o processo de luto é  singular. Como estabelecer prazos para a elaboração do luto, questionou. Ele menciona o livro O tempo e o cão – a atualidade das depressões, da psicanalista Maria Rita Kehl, na categoria Educação, Psicologia e Psicanálise, no qual a autora pensa a depressão como sintoma social, de uma sociedade que exige felicidade, alegria em tempo integral, artificial, com as pessoas divulgando em redes sociais uma vida feliz o tempo inteiro.

Diz ainda que por trás do movimento da medicalização estão forças da sociedade e sobretudo um movimento da indústria farmacêutica voltado para isso. Fato, conforme Ricardo, mostrado no filme O Jardineiro Fiel, dirigido por Fernando Meirelles, que denuncia manobras da indústria de medicamentos para aprovar pesquisas e lança-los no mercado conforme seus próprios interesses comerciais. “Só que com o avanço das pesquisas em todas as áreas, a medicalização mostra-se cada vez mais polêmica e questionada inclusive no próprio campo da medicina”e.

O profissional, que atende crianças e adolescentes com dificuldades específicas na escola, adverte pais e educadores para que, antes de rotular quaisquer dificuldades de aprendizagem com este ou aquele distúrbio, devem avaliar e refletir o contexto como um todo. “O que está acontecendo dentro da escola e no sistema educacional que está dificultando que a criança aprenda aquilo que tem que aprender?”, questionou. Para ele, é preciso impor limites às crianças, ensinar, por ex., que não se pode fazer tudo o que se quer fazer. “A criança precisa de limites. Afinal, que mundo é esse em que não sobra tempo para os pais estarem por mais tempo com os seus filhos? Que escola é essa que tem mais de 40 alunos por sala de aula, impedindo o professor de acompanhar o aluno mais de perto, de ter um contato mais próximo?”

Esse contexto desfavorável à educação e ao desenvolvimento psicológico de uma criança é, na análise de Ricardo, favorável aos processos de medicalização. “A partir do momento em que a criança toma um comprimidinho, fica parada, contida quimicamente, e não atrapalha mais. Só que esse ‘efeito terapêutico’ é sinal da toxicidade do remédio. O melhor é que pais e professores reflitam mais sobre o que pode estar acontecendo, dialoguem e investiguem esse contexto, que é complexo, antes de encaminhar a criança para um profissional. Isso pode parecer mais complicado do que dar um remédio – aliás, tomar remédio é mais fácil; toma-se remédio para tudo. Em vez de fazer exercício e melhorar a alimentação, as pessoas tomam remédio para emagrecer”.

Para ele, do ponto de vista psicológico, essas drogas exercem efeitos complexos e preocupantes, como ‘calar o sujeito’ – quando a criança que está ‘incomodando demais’ está, na verdade, querendo chamar a atenção, comunicar algo, como medos, preocupações, desejos. “Nós precisamos primeiro ouvi-las, dar atenção e não calar a angústia, o sofrimento com um comprimidinho”.

Do ponto de vista orgânico, segundo ele, há relatos de que o uso contínuo desses medicamentos tornam as crianças menos sensíveis para uma série de coisas. Exemplo é um bombom de chocolate, que não vai ter o mesmo efeito de prazer. “Então, se a gente pensar em um adolescente que fuma maconha e usa esses medicamentos, sua propensão a outras drogas é muito maior porque ele vai buscar outras formas de obter satisfação, prazer”, explicou.

Para Ricardo, a questão é grave, colocando em risco a saúde das crianças e transferindo para elas a responsabilidade de um sistema de educação cheio de problemas. “O Estatuto da Criança e do Adolescente assegura que a criança tem direito à vida, à educação e saúde de qualidade. E esse direito pressupõe o direito de não tomar uma droga que pode levar a consequências graves. É por isso que temos que lutar.”

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Recebido via e-mail de Andrea Cunha Arantes (Psicóloga e Professora)

Vídeo da TV Brasil

Um comentário:

  1. Cada criança é uma criança, cada caso é um caso, né? Essa é uma questão para sugerir a reflexão, não só pelo uso daquele medicamento a que o texto se refere, mas também sobre outros “remédios” que fazem parecer ser dever do profissional da Educação “ministrar” além das aulas.

    Sublinho do texto sobre o compromisso dos professores já tão sobrecarregado pelas questões pedagógicas propriamente ditas, por sua formação continuada, pelas dificuldades na luta por melhores condições de trabalho, e quantas vezes se espera deles que sejam os "resolvedores" de tudo, de assuntos que são da responsabilidade da família, outras dever do Estado através do Serviço Social, da Saúde, da Cultura etc. e das necessárias políticas públicas para o bem estar e o Bem Viver para todos.

    Se pouquíssimos são aqueles que no âmbito das escolas participam das lutas pelas vias da discussão/ação política, a meu ver se faz necessário ajudar a tantos outros a compreender da importância de cada um refletir/atuar cada vez mais conscientemente sobre as demandas que as indústrias da reprodução do mundo caótico da “massificação” de tudo cria para nós cidadãos e, em particular os professores feitos apenas de consumidores: a indústria farmacêutica e da “saúde”, a midiática, do entretenimento e comunicacional, a educacional, a cultural etc.

    Creio que a escola é um espaço privilegiado para inspirar ao(s) debate(s), lugar por onde passam mil e uma outras questões que afetam a todos, e a comunidade escolar é um centro pulsante de vida em todas as direções e por mil formas se expressando na diversidade do pensamento e engajamento de seus pares.

    E, sobretudo, como professores e pais, cabe a nós todos proteger e defender os direitos das crianças, da infância, muitas vezes submentidas à “necessidades” que não somos nós quem as criamos para elas, senão o mundo dos negócios e das negociatas que não conhecemos a extensão de problemas, que mal sabemos das causas, e vivemos os efeitos cotidianamente em casa e sala de aula...

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